Cientistas descobrem origem de ‘partícula fantasma’ vinda do espaço

Neutrinos de alta energia foram estudados e detectados por observatório montado em área de gelo no Pólo Sul. Descoberta ajudará no estudo de fontes de energia do universo.

MATÉRIA PUBLICADA EM  G1 (FONTE)

 


Observatório Cubo de Gelo no Pólo Sul (Foto: NSF)

No Pólo Sul, os cientistas transformaram o gelo em um observatório que pode detectar alguns pedaços de matéria no universo.

Chamado de IceCube Neutrino Observatory (Observatório de Neutrino Cubo de Gelo), ele foi construído diretamente no gelo abaixo do Pólo Sul. Essencialmente, o observatório é um bloco de 1 quilômetro cúbico de gelo cristalino cercado por sensores especializados.

Os sensores são configurados para detectar quando partículas subatômicas colidem com a Terra.

Essas partículas são frequentemente disparadas contra a Terra por objetos cósmicos que não entendemos totalmente (como os buracos negros). E muitas vezes atingem a Terra com uma energia tão forte que os cientistas não sabem o que poderia tê-los impulsionado.

Os cientistas descobriram em 1912 que as partículas subatômicas – os blocos de construção da matéria, como prótons, elétrons, múons, neutrinos e quarks – atingem a Terra todos os dias. Mais tarde, eles descobriram que estavam nos atingindo com uma energia que supera o poder dos aceleradores de partículas construídos pelo homem. Algumas dessas partículas carregam tanta energia que os cientistas ficaram intrigados quanto a quais objetos no espaço são poderosos o suficiente para criá-los.

Dois estudos publicados nesta quinta-feira (12) na revista científica “Science” mostram alguns dos mais recentes resultados de pesquisas realizadas no observatório.

A origem dos neutrinos de maior energia

Os neutrinos são algumas destas partículas subatômicas que chegam à Terra todos os dias. Eles não interagem muito com outras formas de matéria. Eles chegam do espaço e costumam navegar pelo nosso planeta sem serem percebidos e por isso são chamados de “partícula fantasma”.

Mas, de vez em quando (cerca de uma a cada 100 mil vezes), um neutrino atinge um átomo do Cubo de Gelo e o quebra, há um clarão momentâneo de uma luz azul quando isso acontece. É esta luz que dispara os sensores do observatório.

Pela primeira vez, os cientistas determinaram a origem cósmica dos neutrinos de maior energia, como esses capazes de quebrar átomos no gelo.

Ilustração do detector IceCube mostra a interação de um neutrino com uma molécula de gelo. O padrão de exibição é como os cientistas representam dados sobre a luz gravada. (Foto: IceCube Collaboration/NSF)

Um grupo de pesquisa liderado pela cientista Elisa Resconi, porta-voz do Centro de Pesquisa Colaborativa da Universidade Técnica de Munique (TUM), forneceu uma importante evidência de que as partículas detectadas pelo Observatório do Cubo de Gelo no Pólo Sul se originam de uma galáxia a quatro bilhões de anos-luz da Terra.

Para descartar outras origens com certeza, a equipe liderada por Resconi e pelo astrônomo Paolo Padovani, do European Southern Observatory (ESO), examinaram uma região do céu ao redor da posição que um neutrino de alta energia atingiu o detector Cubo de gelo em 22 de setembro de 2017.

Uma cooperação internacional envolvendo Resconi havia associado o neutrino a um blazar conhecido com o código de catálogo TXS 0506 + 056 – uma galáxia ativa cujo jato de partículas de alta energia aponta diretamente para a Terra.

“É um dos objetos mais brilhantes e mais peculiares já observados”, diz Elisa Resconi.

Um blazar é uma gigantesca galáxia elíptica com um enorme buraco negro girando rapidamente em seu núcleo. Uma característica marcante dos blazares é que jatos gêmeos de partículas leves e elementares, um dos quais está apontando para a Terra, são emitidos ao longo do eixo de rotação do buraco negro. É um dos tópicos mais importantes em astronomia extragaláctica.

Usando um software especialmente projetado, os cientistas vasculharam os dados de múltiplos telescópios para caracterizar os sinais. Inicialmente, eles encontraram 637 objetos, incluindo sete objetos semelhantes ao blazar que poderiam ser responsáveis ​​pelo neutrino do Cubo de Gelo.

Após uma análise cuidadosa, apenas um dos blazares em questão foi considerado. Este objeto se destacou como uma fonte particularmente forte de radiação gama de alta energia durante o período de setembro de 2014 a março de 2015. Durante este período, o observatório detectou neutrinos adicionais provenientes da mesma região, conforme revelado por uma investigação subsequente.

“No entanto, nosso trabalho mostra conclusivamente que o perfil de radiação do TXS 0506 + 056 combina perfeitamente com as energias dos neutrinos, de modo que podemos excluir todas as outras fontes”, diz Paolo Padovani.

“Neutrinos raramente interagem com a matéria. Detectá-los do cosmos é incrível, mas ter uma possível fonte identificada é um triunfo. Esse resultado nos permitirá estudar as fontes de energia mais distantes e poderosas do universo de uma maneira completamente nova “, disse Paul O’Brien, Chefe de Física e Astronomia em Leicester.

Tal como acontece com muitas descobertas na física, esta levanta mais perguntas do que respostas. Os cientistas ainda não sabem como os blazares realmente aceleram partículas a altas energias. Eles não sabem se todos os blazares são capazes de fazer isso, ou apenas alguns deles. E eles não sabem que outros objetos no universo podem produzir raios cósmicos de alta energia.

Raios cósmicos

Outro estudo do Observatório Cubo de Gelo analisou a origem de raios cósmicos. Desde que foram detectados pela primeira vez há mais de cem anos, os raios cósmicos – partículas altamente energéticas que continuamente chovem sobre a Terra do espaço – causam a dúvida: o que cria e lança essas partículas em distâncias tão vastas? De onde eles vêm?

Como os raios cósmicos são partículas carregadas, seus caminhos não podem ser rastreados diretamente de volta às suas fontes, devido aos poderosos campos magnéticos que enchem o espaço e distorcem suas trajetórias.

Eles são produzidos pelos mesmos poderosos aceleradores cósmicos que produzem neutrinos.

A diferença é que os neutrinos são partículas não carregadas, não afetadas nem mesmo pelo campo magnético mais poderoso. Como eles raramente interagem com a matéria e quase não têm massa, se deslocam quase imperturbados de seus aceleradores, dando aos cientistas uma indicação quase direta de sua fonte.

Ao conseguir detectar um neutrino, o Cubo de Gelo ajudou os cientistas a rastrear sua origem. Com isso, foi possível também detectar a origem provável dos raios cósmicos.

Raios cósmicos são as mais altas partículas de energia já observadas, com energias de até cem milhões de vezes mais que as das partículas no Grande Colisor de Hádrons do CERN, na Suíça, o mais poderoso acelerador de partículas feito pelo homem.

Estes raios cósmicos de energia extremamente alta só podem ser criados fora da nossa galáxia e as suas fontes permaneceram um mistério até agora. Os cientistas haviam especulado que os objetos mais violentos do cosmos, coisas como remanescentes de supernovas, galáxias em colisão e núcleos energéticos de galáxias negras, conhecidos como núcleos galácticos ativos, como os blazares, poderiam ser as fontes.

FONTE: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/cientistas-descobrem-origem-de-particula-fantasma-vinda-do-espaco-entenda.ghtml